terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Diário dos sonhos, 1.

não haviam motivos para que eu fizesse algo como aquilo... Mas não haviam motivos que me parassem. Não era a fome, nem o masoquismo. Era algo diferente. Era uma necessidade que eu nunca havia sentido ou ouvido falar, algo que me enchia de expectativa e de terror ao mesmo tempo.
Porque? Não pergunte isso, por favor.
Depois de vários minutos, horas, quem sabe? Depois de muito tempo, pelo que me pareceu, decidi ir em frente.
Levei a mão até a boca, e arranquei o primeiro pedaço de carne.
O gosto não era nada parecido com o que eu havia provado até aquele momento. Quando mastiguei senti, na maioria da textura, apenas pele dura, da palma da mão, e alguns tendões que eu havia arrancado a força do dedo indicador. O sangue esquentava minha língua com uma tepidez que me lembrava sopa, ou café, seu gosto já me era conhecido, assim como o é a todos. A carne, por sua vez, e a pele, principalmente, tinham um gosto que nunca tinha sentido na vida.
Não era ruim, parecia carne de sol.
Me sentei. Fazia parte do que eu deveria fazer. Foi um pouco difícil e até patetico, mas consegui, após inúmeras ridículas tentativas, arrancar um pedaço da parte de baixo do maior dedo do pé, com as unhas da mão esquerda, e levá-lo até a boca.
Não o fazia com avidez, tanto menos sentia a mínima repulsa. Era como ver nuvens passando, ou tomar um bom sorvete. Não saberia explicar.
Por algum tempo aquilo foi adiante sem pressa e numa calma irreal. minhas unhas começavam a se destacar dos dedos. estava ensopado de sangue até os cabelos, não conseguiria me levantar nem se quisesse.
Então, a outra parte do acordo que havia feito tempos antes, aconteceu repentinamente. Do solo rachado, das árvores mortas, das ruas congeladas começaram a aparecer vários, milhares de porcos. Porcos que rastejavam, ou corriam, todos emitindo o mesmo som.
O som da minha resignação.
Me deitei, meus dentes tão sujos de sangue negro e amargo, com gosto de ferro e alumínio, que pareciam mergulhados em vinho.
As mordidas de todos eles não eram como as minhas. Doíam.
Doíam como o céu que caía por baixo do peso de todos.
Doíam como... ah , deixa pra lá.

sábado, 24 de janeiro de 2009

em qualquer lugar.

Se fôssemos realmente
feitos disto que vemos,
que tocamos e procuramos
pela vida inteira.
Como estaríamos aqui então,
e em todos os lugares, quando quiséssemos?
Como sobreviveríamos à morte do que chamamos
Aqui?
Como estaria você aqui, comigo,
mesmo quando fogo e ar nos separam,
e suas palavras não chegam a mim de lugar nenhum?
Eu não sou o que me toca, não quem te chama agora.
Sou etéreo, efêmero porém constante.
Sou o que faço, quem brilha no escuro e não precisa
de olhos pra ver.
Sou aquele rastro que deixei em você quando saí.
Para sempre, mas não
eternamente.