quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

uma questão de espírito.

Para todos aqueles que demonstraram -se amigos nos momentos em que minha matéria quase tornou-se nada mais que fumaça.



Lúcio não
se deu conta, nos primeiros instantes, de que havia tornado - se algo entre o invisível e o imaterial. Se levantou do computador no quarto onde morava de aluguel na casa de seus avós, e foi até a varanda pra pegar um pouco de ar. Foi então, com uma brisa um pouco mais forte do que o habitual, que sentiu que suas pernas se separavam do corpo, não sem uma certa relutância, mas como se um pouco de fumaça fosse afastada de um longo fio que sai da ponta de um cigarro charuto bem aceso.

Ao correr para o banheiro, percebeu que não era nada além disso. Um pouco de fumaça tão rala, tão transparente, que era a todos os efeitos invisível. Só poderia - se vê - la talvez olhando bem diretamente, ciente de que havia algo alí. Lúcio não emitia nenhum rumor, gritava de pavor mas era como se as vibrações não fossem simplesmente formadas. Portas e paredes não eram obstáculos e as demais pessoas da casa não notavam sua presença. Depois do susto, Lúcio começou a perceber que nunca em sua vida havia se sentido tão bem.

Era difícil porém manter toda a matéria que agora formava seu corpo unida. Ao sair na varanda pela segunda vez, percebeu que quanto mais uma parte de si se afastava, menos ele a sentia, e presumiu que logo logo, se não se esforçasse ao máximo, simplesmente desapareceria no mundo. Manter -se inteiro requeria uma força de vontade que Lúcio nunca tivera quando possuía um corpo, mas que se renovava cada vez que ia para o alto, cem, duzentos, trezentos metros, e observava a cidade do alto. A vontade de manter-se vivo, mesmo ciente de que aquela vida era no mínimo diferente, era algo novo para ele.

A primeira mina que atingiu o espírito- fumaça de Lúcio Montez foi enterrada por si mesmo, quando, na tarde seguinte, flutuou até a casa de sua namorada para tentar contar - lhe o que acontecera. Ao passear pelas ruas, de manhã, Lúcio percebera que não distinguia mais as pessoas, assim como seres humanos têm dificuldade em distinguir seres de outras raças. Você sabe que um pitbull é um pitbull, e não um dálmata, mas dificilmente distinguirá dois dalmátas que viu apenas uma vez na vida. Em vez da aparência física, Lúcio notava o halo de fina fumaça que envolvia cada pessoa, que era tão invisível que que lúcio nunca pensaria em enxergar.

Ao chegar na casa de sua namorada, Amanda, flutuou facilmente até a janela de seu quarto apenas para descobrir que era impossível se comunicar com aquela ruiva de olhos castanhos. Por momentos, após a descoberta, Lúcio deixou- se dissolver quase inteiramente, sentindo-se cada vez mais leve. Sentia que chorava, e que isso o fazia cada vez mais fraco e desprovido de matéria. Momentos antes de perder a sensibilidade de todo o seu corpo, Lúcio se recompôs e começou a vagar sem rumo, segurando a si mesmo com toda a força de vontade que ainda lhe restava.

Passaram -se vários dias até que o rapaz feito de fumaça criou coragem suficiente para voltar para seu quarto dos fundos. A segunda mina em que pisou como espírito, amputou o que lhe restava da alma que um dia sentira como parte de si.

Seu quarto nada mais era que um cômodo liso e branco, sem vida e sem matéria alguma, assim como o próprio Lúcio. Despido de todos os pôsteres, livros e apetrechos que em anos havia juntado, nem a cama restara. As pessoas da casa agiam como se simplesmente Lúcio Montez jamais tivesse existido. Com um grito silencioso e, a todos os efeitos, materialmente inexistente. Lúcio foi até a rua e alí, decidiu fazer o que lhe parecia mais lógico. Apagar aquele último rastro de fumaça que um dia fora um ser humano cujas lembranças são equivalentes àquela matéria da qual agora é feito, e que não tinham alguma força que as segurasse e portanto, dissiparam -se. Antes de desaparecer completamente, porém, enquanto vertia lágrimas inexistentes e seu sangue imaterial jorrava para todos os cantos do mundo, olhou para frente e viu que uma figura o fitava fixamente, sem jamais mover o olhar.

A figura, que parecia tão familiar a Lúcio, sorriu quando Lúcio encontrou -lhe os olhos. Em um súbito espanto, a curiosidade de saber porque aquele garoto conseguia enxergá -lo manteve Lúcio unido. O rapaz, sem dizer nada, apenas começou a andar, nunca olhando para trás, parecendo certo de que aquele espectro o seguiria. E foi o que Lúcio fez.

Chegou a um lugar não bem definido em sua visão, onde o garoto sentou -se ao lado de várias figuras que aparentemente esperavam. Todos sorriam, mas ninguém emitia som algum. Não era necessário, pois Lúcio reconhecia cada pessoa, cada halo de leve fumaça. Reconhecia os olhos verdes de um, os cabelos longos, loiros, pretos e multicolores de outros. Reconhecia o sorriso de cada pessoa, os gestos e a respiração. Sentia a presença de pessoas que estavam longes demais, mas que nunca se afastaram. Enquanto ia em direção a um grande espelho no centro do espaço, parecia -lhe que um sorriso aflorava em seus lábios de ectoplasma.

Olhou para todos, e em seguida para o espelho. Desta vez, ao perceber que o contorno de dois olhos negros e de um nariz pequeno apareciam aonde, aparentemente, não havia nada, não houve espanto algum.

Apenas um sentimento de gratidão que não precisaria de matéria ou palavras para ser entendido.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Vida !

Acorde: Está na hora de voltar a sua vida medíocre, seu trabalho medíocre, seus amigos medíocres!

Tome banho: Tente arrancar essa couraça de sujeira e de hipocrisia que cobre seu peito, lave com insanidade seu rosto para que saia de uma vez por todas sua máscara ridícula de bom cidadão! ( porco imundo ! )

Se alimente: Coma das piores comidas. Sinta suas entranhas retorcerem. Coma vômito com leite, beba sangue com café e saboreie a hostilidade de um mundo podre!

Trabalhe: Se escravize em busca de dinheiro, em busca de conforto, passe horas entediantes, caia na rotina e perceba que você é apenas mais um inseto insignificante no meio da natureza suprema!

Volte pra casa: Sinta que nada e ninguém no mundo se importa com você, todos te odeiam, todos te exploram, todos te machucam. Você só é mais um bastardo, um aborto da natureza!

Durma: Tente desligar sua mente de tudo isso que você se tornou, de todas as merdas que você já fez, de todas as porcarias que você já falou e de todos os sonhos que você nunca alcançará!

Morra: O veneno que corre em suas veias te dará 20 minutos de prazer, de orgasmos múltiplos, fará se sentir melhor, mas depois...

... Eu te espero, te darei a mão e te guiarei ao melhor lugar já visto, te mostrarei o que realmente é vida!

Espero-te no inferno!


DON.